domingo, 17 de julho de 2011

A Baratinha

Dedico-me cada vez mais a observar os outros em silêncio. Há muito que o faço, que tento fazê-lo "de fora", ou seja, sem preconceitos ou estereótipos. Por isso, muitas vezes também me revejo naqueles que observo e consoante o que vejo me tento corrigir.

Podia falar da aventura que é andar no 36 da Carris sem auscultadores nos ouvidos e prestar atenção à conversa das duas chungas gordas que gozam com tudo e todos sem provavelmente terem espelho em casa (ou casa sequer); podia falar da tristeza de alma que é ir à Faculdade de Psicologia esperar a namorada e constatar que a grande maioria das alunas que a frequentam são ainda crianças, que se vestem e comportam como o haviam feito no secundário ou como quando vão a caminho da praia, e cujo discurso permite desvendar uma completa ausência de cultura, espírito crítico, dinamismo ou, em suma, inteligência; podia falar de tantas outras coisas que me têm vindo a incomodar... mas hoje apetece-me falar da barata de ontem.

Pela segunda vez numa semana, fui com a namorada ao McDonald's, esse restaurante típico português. Não é que goste, mas confesso que de quando em vez me sabe bem a ideia de cometer uma loucura calórica a uma velocidade fast; à miúda agrada a ideia de fazer a colecção de copos da CocaCola.

Dada a justificação da nossa visita, depois de momentos tristes a vários níveis enquanto se pediam os menús, lá encontrámos um lugar onde nos sentámos deliciados a degustar lentamente as nossas refeições. Pelo caminho, íamos observando os outros, maioritariamente em silêncio, sorrindo simplesmente quando o nível de estupidez começava a roçar o ilegal. Eles eram franceses que armavam uma bagunça; uma família de 6 que incentivava as crianças a comer depressa demais; ou uma senhora que não se decidia se havia de comer ou não, abrindo a sua salada para a fechar logo a seguir por diversas vezes.

Enquanto isto, uma barata de proporções admiráveis passeava-se pelo salão.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Now I Lay Me Down To Sleep

A Celeste vestiu o vestido verde-escuro, aquele que usara há 53 anos atrás, o mesmo que envergou quando foi com o Artur pela primeira vez ao cinema. Era o vestido que trazia quando o Artur lhe roubou um beijo e lhe segurou a mão. Fechou o colar de pérolas-brancas de fantasia com duas voltas ao pescoço, uma longa e a outra justa. Colocou a aliança que nunca chegou a ser de casamento e o anel que a mãe lhe deixou, o que fora igualmente da sua avó. Nos pés, pôs uns sapatos de salto que condiziam com o vestido, saltos esses igualmente velhos como tudo o resto.

Tal como havia feito no dia anterior e nos dias antes desse, pôs um pouco de colónia e deu um último jeito ao cabelo diante do espelho. Não se preparava para ninguém senão para si mesma. Gostava de se sentir bonita apesar das rugas. Com um porta-moedas também velho e gasto mas bonito e elegante entalado sob o braço, passou pela Francisca da mercearia, onde comprou dois papo-secos e umas batatinhas para o jantar. Estava a pensar em cozê-las e depois comê-las em conjunto com uma lata de atum. Com a Francisca também trocou umas palavras sem grande importância, "tricas" como muitos lhe chamariam. Foi depois para o café, onde a Gorda lhe serviu a habitual meia-de-leite.

E, ali sentada numa mesa junto de uma janela, a Celeste sozinha ficou durante a tarde, como de costume. Já não é uma questão de gostar sequer. Nesta altura, para ela, é um dado adquirido. Sozinha no café assim como na vida, vive um dia após o outro em perfeita monotonia. No café observa os outros discretamente, analisa-lhes os gestos, a postura, a indumentária. Tira conclusões que guarda para ela simplesmente para depressa caírem no esquecimento. É o seu entretenimento. Ali está ela dia após dia, mas ainda assim ninguém repara nela.


Em casa, uma espessa camada de pó branco deposita-se sobre praticamente tudo. As forças e a vontade há muito se foram. Também há muito que não abre a porta de sua casa a ninguém, portanto desleixa-se sem remorsos. Apenas a cozinha apresenta a limpeza e arrumação de sempre. Ela gosta de cozinhar e embora o seu orçamento não lhe permita já fazer determinadas iguarias com a frequência de outros tempos, é com grande entusiasmo e um sorriso na cara que prepara cada uma das suas refeições.

Falou com o Tadeu depois do telejornal. Era quase sempre ela que lhe ligava e era ele que lhe trazia sempre as mercearias uma vez por semana, que a Celeste já não tem forças para ir e vir carregada do Supermercado. Era também a única maneira de ver o filho, pois ele desdobra o seu tempo entre trabalho e família, a sua nova família. A Francisca?! Coitada, também ela é velha e já não tem a mercearia como tinha faz já 30 anos. Com um beijo se despediu. Os netos e a nora não vieram ao telefone, como acontece muitas vezes. Celeste logo se foi sentar no lugar de sempre, defronte da TV.


Mais um dia se passou, menos um dia lhe falta. Que venha quando Deus quiser, pede ela todos os dias quando diz as suas orações junto da cama, mas que venha célere. E pois que essa foi a última vez que Celeste adormeceu. 

Now I lay me down to sleep,
I pray the Lord my soul to keep,
If I shall die before I wake,
I pray the Lord my soul to take.

domingo, 10 de julho de 2011

The Sleep

Os sonhos são o relfexo da nossa vida emocional. Para Jung, era uma forma inconsciente arranjar equilíbrio, de chegar à raíz dos nossos problemas.

Questiono-me o que casas-de-banho claustrofóbicas a bordo de comboios suburbanos sobrelotados e que rumam a parte incerta e a ideia de viver dentro de um selo de correio têm que ver com a minha vida emocional...

This question haunts my mind
Will we survive this night?
We're harboring the meek
Will we survive the sleep?