Estou há uns dias numa situação a qual pode ser apelidada de "de férias". Nestes dias, tenho estado em casa da parte da manhã, geralmente, o que me levou a verificar que o meu vizinho do primeiro andar trata carinhosamente do seu Peugeot com 15 anos todos os dias.
Ontem lá o cumprimentei à saída e lá estava ele a dar lustro aos plásticos e borrachas depois de aspirar o interior; hoje acordei com o barulho do aspirador e agora pôs-se a limpar as borrachas outra vez.
O meu vizinho já é um senhor de alguma idade. Pouco, nada na verdade, sei dele. É uma pessoa que me cumprimenta sempre com um sorriso na cara e me pergunta pela saúde dos meus, o que por si só me faz pensar que é boa pessoa (o que pode não ser verdade... vai daí até é um serial killer e coisas do género).
Porque não o conheço, enquanto fumava um cigarrito à janela pus-me a pensar num hipotética vida que se encaixasse no perfil: reformado.
Isto explica muita coisa, a começar pelo tempo livre, desocupado e provavelmente sem objectivos. O carro dele é um escape, algo que no fundo o obriga a ocupar duas ou três horas do tempo dele. Sendo reformado, pelo sítio onde mora e pelo carro que tem, não há-de receber grande coisa, pelo que também não há-de ser o suficiente para se distrair fora deste buraco onde vive, comer quilómetros de estrada ao volante e ver coisas novas, meter-se num avião ou num cruzeiro...
Por isso limita-se a cuidar do seu carrito e a acenar aos que passam um bom dia sorridente.
Eu não aceito um fim desta natureza. Desconheço o que o futuro me reserva, mas não posso ficar em casa a comer batatas cozidas e a ver TV o resto dos meus dias. Enquanto o via agora a dar lustro aos pneus (de notar que de ontem para hoje o carro nem saiu do sítio), um certa tristeza misturada com medo de me ver numa situação destas acercou-se do meu peito.
Será que isto depende de nós?
everyday hurts a little more
yes everyday hurts a little more
and i'll be anything, yes i'll be anything
to belong to be strong
to say there's nothing wrong
everyday hurts