quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Harvesting

A paisagem que vislumbro quando vou à janela é um tanto imutável.

Quando era pequeno, era normal ver a minha rua, uma daquelas que termina numa praceta sem saída, cheia de putos, uns com bola, outros de patins ou bicicleta. Nós brincámos de tudo: escondidas, apanhada, bola, bicicleta, patins, skate, berlinde, macaca, 31, à batatada... Hoje, embora não tenha contacto com nenhum dos meus companheiros de brincadeira, olho esses tempos de inocência com saudade. Sou o último puto do meu tempo que ainda aqui mora.

Outra coisa de que me lembro de quando era mais puto, era dos rebanhos de ovelhas e dos pastores. Lembro-me do som dos badalos quando eles traziam o seu rebanho aqui a pastar (aproveitavam para vir à mercearia do meu prédio, então, a única no bairro todo!), dos balidos distintos de ovelhas e bodes, nas caganitas pretas, secas e esféricas que deixavam atrás de si. Lembro-me das capoeiras e dos coelhos da velhota que morava numa casa velha, quase em ruínas, nas traseiras do prédio.

Lembro-me do fascínio que era ir até ao menir (lá no alto do monte...) e à pedreira abandonada adjacente. Era sempre um desafio ir lá, o quebrar das regras, o perder a casa de vista, o isolamento de estar no alto do monte e ver a cidade e os seus muitos prédios lá ao longe, para um lado, e serras e montes vazios para o oposto.

Tanto à frente como atrás do prédio, haviam muitas árvores. Eucaliptos frondosos e de idade respeitável, oliveiras ainda mais antigas, figueiras (e que belos figos se comiam!!), dos canaviais junto à ribeira, das alcachofras em flor, dum roxo forte...

Com o tempo, os prédios foram crescendo, as árvores deitadas abaixo, os amigos mudaram-se e as crianças hoje preferem as consolas... O sol deixou de iluminar a minha casa até se pôr no monte e o carro já tem que lutar por lugares de parqueamento com outros de outros muitos vizinhos. As ovelhas há muito que desapareceram e os pastores também. A mercearia sucumbiu ao Pingo Doce e hoje já não há quaisquer alcachofras.

Mas de quando em vez, lá me apercebo que ela, a paisagem, não é imutável, mas sim lenta a mudar. Hoje pus-me a olhar o baldio que resta à frente da casa. A tão falada crise levou a que esse terreno, "baldio", deixasse de o ser. Vizinhos de longa data, daqueles que passavam o tempo pós-laboral a jogar à batota ou a investir em minis, entretêm-se hoje a cultivar tudo o que podem, mais aliás que aquilo que podem consumir. Levou-me igualmente a lembrar o antigamente, os tempos idos de que escrevi há pouco.

Estando ainda num estado embrionário, não deixa de ser bonito ver o terreno que a Câmara e a junta têm negligenciado a ser assim tratado. Cada espaço é cuidadosamente delimitado com as pedras grandes que foram retiradas dos terrenos, os caminhos são pavimentados com aquelas mais pequenas. Os bidões de água são arrumados uns ao lado dos outros. As carreiras de cultivo são todas alinhadas.

Sinais dos tempos, hoje lá vou comendo uns tomates e umas alfaces excedentes que são ofertadas à minha mãe. E verdade seja dita, a diferença nota-se à primeira trinca!



1 comentário:

Trinity disse...

Bom que aproveitem a terra e que dela retirem o que de melhor conseguem, a dita evolução levou a que os mais novos respondessem por exemplo que as batatas vêm do Lidl, e as alfaces do Continente...