domingo, 5 de junho de 2011

Paradise City

Mar Tirreno, 30 Maio 2011 20:58 (GMT+1)

Take me down to the Paradise City
Where the grass is green and the girls are pretty
Oh won’t you please take me home?
 


Começa assim este clássico do Rock.

A bordo, os dias sucedem-se sem grandes aventuras, novidades, emoções ou seja o que for. Vazios e rotineiros, depressivos e angustiantes, talvez seja esta a descrição que mais se aproxima da realidade.

Mais um dia se passou e decidi ir fazer a digestão do jantar com um passeio ao convés, apanhar ar fresco e sol, andar um pouco e afastar-me do barulho. Procurar um pouco de solidão no meio da já tanta solidão que é estar no mar. Pode-se perguntar se não é a mesma coisa, estar a olhar o mar e as nuvens à proa ou à popa, mas não é. A verdade é que lá, a vante, consigo pensar, afastado do zumbido dos ventiladores e do ribombar dos geradores.

Entretive-me a olhar o sol a brincar por entre nuvens e a tentar contar as ondas, perdido num emaranhado de pensamentos respeitantes a amores, desamores, trabalho, futuro, esperanças, putos, milhas por hora, colunas de água entre mil outras coisas. A certa altura, vi um avião a aparecer por detrás de uma nuvem e observei-o durante os cerca de cinco minutos que levou a passar, até desaparecer por detrás de outra nuvem qualquer. Foi então que cheguei a uma conclusão desconcertante.

Ora bem, antes de avistar o dito avião, estive a olhar o mar, como já referi. E durante 30 ou 40 minutos, estive aparentemente no mesmo sítio. Entenda-se, se tivesse tirado uma fotografia naquele minuto e a tivesse comparado com outra tirada 30 minutos antes, seria praticamente igual. Para mim, era como se estivesse parado. Já aqueles que iam no avião vêm algo diferente a cada minuto. Pelo menos, se alguém sequer espreitou pela janela, viram um navio perdido algures lá em baixo, parado.

E foi aí que me apercebi que eu aqui estou mesmo parado. Aqui fechado, apenas vejo a vida a passar por mim, os outros a passar. Porque, independentemente do tempo que passar, ao olhar para a frente terei sempre a mesma vista: um céu azul, ondas e nuvens. Os amigos, as oportunidades, momentos, alegrias, dissabores, resumidamente todas as coisas que uma pessoa dita normal tem diariamente passam-me ao lado, simplesmente porque estou isolado do mundo. Lembrei-me de algo que costumava dizer mas do qual parece que me tenho vindo a esquecer: não te arrependas do que fazes, mas sim daquilo que não fizeste.

Como posso pensar em ter uma vida privada dos pequenos prazeres diários em prol de meia dúzia de luxos espontâneos e fugazes?! Como me irei eu mesmo perdoar se daqui a 10 ou 15 anos ainda aqui estiver, no mesmo sítio, sem ter tentado chegar a algum outro?! Como posso eu hoje ter medo que me censurem de querer eu simples e figurativamente dar à praia?!

Há muito que conheço o meu lado depressivo e destrutivo. Há muito também que aprendi a contornar esse lado, procurando incansavelmente estímulos que o possam manter adormecido. Aqui é impossível. Simplesmente, encaro-me todos os dias de manhã e pergunto que estou aqui a fazer, o que espero obter daqui (pessoalmente e até mesmo profissionalmente, dado que isto já foi uma grande escola, mas hoje tenho sérias dúvidas, embora isso fuja do tema) e porque raios me permito ser voluntariamente prisioneiro a contrato.

O Shrek diz a certa altura à Fiona num dos filmes da saga que foi ela que o salvou a ele da torre e do dragão, não o contrário. Eu no fundo… pensando nisso, acho que o facto de o meu coração ter dono fez com que eu acordasse para esta realidade, com que no fundo tivesse consciência da minha miserável condição e que despertasse a vontade de fugir, de ter uma vida que não esta.

Lembro-me assim muito de repente da Alegoria da Caverna, essa obra fantástica e tão negligenciada pelos futuros seja-o-que-for do país, e apercebo-me do quão ela é assertiva em vários campos. Ora senão vejamos que, enquanto o meu coração estava livre (“apaixonado”, “iludido”, “enganado” ou qualquer outro adjectivo que não “comprometido” e simultaneamente “retribuído”), eu não me importava muito com esta vida. Quer dizer, era chata uma vez que não podia ir beber um copo, dar uma volta de bike ou simplesmente fazer gazeta e culpar uma gripe fulminante qualquer. Mas quando achamos aquele alguém que nos faz realmente olhar a vida de maneira diferente pela primeira vez, aquele alguém por quem vamos ali e mais além, tudo vem ao de cima e um simples avião é capaz de fazer grandes revelações.


E a acrescentar a tudo isto, há o factor monetário, mas esse não é para aqui chamado. Como diria alguém, "too fucking much information!" e já fica além do que quero partilhar. 

Pois bem, levei cerca de 25 minutos a conseguir organizar as minhas ideias e a passá-las a papel. A título de curiosidade, nestes mesmos 25 minutos o navio de onde me deprimo limitou-se a percorrer 8 600 metros, mais ou menos centímetro… É caso para se dizer “heading to nowhere fast”, hein?!

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